Rancho
Descrição: Trata-se de um cozido caldoso, consistente e encorpado, caraterizado pela mistura de carne de vitela, chouriça de porco, batata cozida, grão-de-bico e massa. Sendo constituído pelos principais grupos de alimentos é apelidado na linguagem popular, um "prato completo".
 
Caraterísticas particulares: É a combinação de cereais, carnes e leguminosas que fazem deste um prato singular do receituário tradicional.

Região: Trás-os-Montes e Alto Douro.

Ingredientes Utilizados: Grão-de-bico, massa cortada, batata, vitela, chouriço, cebolas, folha de louro, malagueta, colorau, azeite e sal.

Modo de preparação: O modo de preparação atual de um prato de rancho ainda respeita o modo de confeção do receituário tradicional e privilegia a utilização das carnes de produção local, de maior qualidade.
 
Saber fazer: Comece por, com a antecedência de um dia, colocar o grão-de-bico de molho. Depois de demolhado e escorrido deve ser levado ao lume a cozer. Juntamente com o grão pode cozer-se a vitela e o chouriço, numa panela com água temperada com sal, cebola e louro. Retira-se a carne quando estiver cozida e adicionam-se a cozer com o grão-de-bico, a massa e as batatas cortadas aos quadrados, retirando ou acrescentando a água. Tempera-se. À parte pica-se cebola e malagueta e coloca-se numa frigideira com azeite e colorau. Quando estiver alourada, deita-se na panela do cozido. Corta-se as carnes aos bocadinhos e mistura-se e serve-se quente.
 
Formas de Comercialização: Na restauração local.
 
Disponibilidade do produto ao longo do ano: Disponível ao longo de todo o ano, coincidindo tradicionalmente com os dias de feiras mensais em diversos municípios, sendo particularmente popular nesses dias, no concelho de Mirandela.
 
Historial do produto: receita de rancho, ainda que nos ofereça algumas variações tem como principal caraterística a combinação de massa, grão-de-bico e carne. Pode incluir também outras verduras e legumes (frequentemente a cenoura cortada em cubos, o tomate no caldo, ou outras carnes como o frango). Sobre a sua origem não se conhecem referências específicas ao consumo da receita na tradição portuguesa, para além de meados do século XIX, ainda que existam testemunhos orais que permitem reportar a sua existência de forma mais longínqua no tempo.
Conhece-se, no entanto, a história, ou parte dela, da origem do Rancho à Moda de Viseu, que nos permite considerar que ou por influência deste território vizinho ou por confluência da disponibilidade, em determinado período dos ingredientes necessários para a confeção deste prato, ele será consumido na região transmontana há já várias gerações.
Assim, o Rancho à Moda de Viseu ou das Beiras, conta-se que, terá surgido no «século XIX, aquando da guerra entre liberais e absolutistas. O quarteleiro de Viseu foi incumbido de moralizar as tropas, dando-lhes comida de qualidade. Para cumprir tal missão, juntou grão-de-bico, batatas, hortaliças, massa grossa e carnes de porco, vitela e galinha, criando um prato que fez enorme sucesso entre os comensais, tendo aquela comitiva vencido a batalha que se seguiu. Uma outra variante da história diz-nos que o Rancho começou a ser confecionado no Quartel de Cavalaria que existia em Viseu. No tempo da guerra e do racionamento, este quartel, situado na St. ª Cristina, recebia e distribuía matérias primas (oriundas de vários locais) ao povo, cultivava os campos envolventes e criava animais (galinhas, porcos, e por vezes vacas). Entre as matérias-primas que recebia com mais abundância, estavam o grão-de-bico, vindo das terras situadas mais a sul e as massas de segunda (manga de capote) oferecidas pelas fábricas. Juntando estas matérias primas com as carnes dos animais que criavam e os produtos hortícolas dos campos, nasceu o Rancho à Moda de Viseu, que alcançou tal fama, que depressa se tornou um prato confecionado em todos os quartéis portugueses.» Receitas e Sabores dos Territórios Rurais, (2013) Federação MINHA TERRA, pág. 103. Por outro lado, é ainda relevante referir a importância do grão-de-bico (SOBRAL:2018:194) e a sua presença (mesmo anterior à da batata) na cozinha tradicional transmontana em pratos diversos, de entre os quais o rancho se torna um dos mais icónicos.
Não sendo propósito deste resumo de contextualização histórica fazer uma exaustiva exploração histórica da origem dos ingredientes que compõem a receita de rancho transmontana, faz-se ainda referência de que, a utilização da massa, revela a influência estrangeira, aqui especificamente da cozinha italiana, onde tem origem este género alimentício. Este contacto, é-nos revelado nas publicações dos primeiros livros de cozinha portugueses, conforme analisa a investigadora Isabel Drumond Braga, que observa que é com a publicação em 1780 do livro de Lucas Rigaud "O Cozinheiro Moderno" que nos é descrito um receituário português com consideráveis influências espanholas, francesas e italianas.
Certo é que hoje, o rancho é um importante prato caraterístico da gastronomia transmontana, que além de associado aos dias de feiras tem também marcado presença em feiras e eventos gastronómicos regionais, integrando a lista de pratos emblemáticos que potenciam o turismo gastronómico na região (PEREIRO: 2018).
Testemunho importante deste contexto é o relato dado por Laura do Céu, natural de Suçães, Mirandela, antiga proprietária de uma Taberna histórica em Mirandela (TROCA:2018:114): «Preparava a cabeça, o grão-de-bico já estava de molho e lavadinho, o grão-de-bico quando o botava de molho botava-lhe 2 ou 3 postas de bacalhau para que ele cozesse bem, depois tirava aquele bacalhau, tirava-o para fora. Botava-lhe para lá 5 quilos de grão-de-bico, metia o grão-de-bico e metia logo a cabeça aquando do grão-de-bico, e eu ia-me a deitar e deixava-o a ferver. Às 11:00 o rancho tinha que estar preparado a descansar estava tudo "descoladinho", saíam os ossos todos e aquela carne ficava dentro, era assim preparado: metia-lhe 4 ou 5 quilos de massa da do rancho, cozia, estava cozidinho, estava apuradinho, punha uma frigideira ao lume com bastante azeite e cebolinha picada, estava a cebola picadinha lourinha botava-lhe um bocadinho de colorau pra dar aquela corzinha dava mais uma fervurinha, apagou-se e estava ali. O povo ainda não era meio-dia estava a comer rancho.»
 
Representatividade na alimentação local: Consumido como prato principal um pouco por toda a região de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Outros elementos documentais (escritos, fotográficos, videográficos, etc): BRAGA, I.D. "Influências estrangeiras nos livros de cozinha portugueses (séculos XVI-XIX). Alguns problemas de Análise". In: BRAGA, Isabel M. R. M. D. Do Primeiro Almoço à Ceia. Estudos de História da Alimentação. Sintra: Colares Editora, 2004a, p. 101 – 118. Disponível em: https://www.academia.edu/6679906/
PEREIRO, XERARDO; Tibério, M.L.; VÍTOR RODRIGUES. "Comer e beber as paisagens: Alimentação e turismo nos restaurantes de Vila Real". Trabalhos de Antropologia e Etnologia 58 - (2018): 359-385.
TROCA, Armando (2018) - Dissertação de Mestrado - Gastronomia e Culinária da Terra Quente Transmontana-Património Identitário e Recurso Turístico (O Caso do Concelho de Mirandela)
Receitas e Sabores dos Territórios Rurais, (2013) Federação MINHA TERRA.
 
Fonte do registo: Douro Superior – Associação de Desenvolvimento