Mel-de-Cana da Madeira DOP
Descrição: Mel-de-Cana da Madeira é o xarope resultante da depuração, clarificação e concentração do sumo natural, não fermentado, da cana sacarina (Saccharum officinarum L.), das variedades tradicionais cultivadas na ilha da Madeira, que é obtido sem a adição de qualquer regulador do pH, promotor da inversão da sacarose, nem de qualquer edulcorante ou conservante, natural ou artificial, seguindo o modo tradicional de produção madeirense.
Normalmente apresenta elevado conteúdo em açúcares totais (superior a 50% e até os 75%), com um teor em sacarose, que varia entre os 20 e os 45 g/100g e de açúcares redutores que é sempre superior a 17 g/100g e pode superar os 20 g/100g, além de um teor em cinza superior a 3,5% (mas inferior a 5,5%).
Distingue-se pela sua cor escura que vai do castanho quase negro, ao castanho escuro ligeiramente áureo ou âmbar, com laivos alaranjados a dourados quando em camada fina, podendo apresentar-se opaco e muito a algo homogéneo ou levemente translúcido e mais brilhante e estar bastante límpido ou conter pequeníssimas bolhas ou ligeiras partículas em suspensão e também pela sua textura homogénea, muito cremosa, aveludada e leve, que se liquefaz rapidamente na boca, com uma viscosidade média/alta, que o tornam espesso, mas com bastante fluidez e uma consistência leve e acaramelada com minúsculas partículas.
Apresenta aroma e sabor adocicado, caramelizado e bastante característico, com notas vegetais (cana moída de fresco), frutadas (sultanas) ou metálicas, e apontamentos a baunilha, a especiarias ou a torrefação. Com pouca a alguma adstringência, um suave amargor e uma agradável acidez, em fim-de-boca, que lhe conferem equilíbrio. No conjunto apresenta aroma e sabor harmonioso, homogéneo, franco e equilibrado, de intensidade e persistência média a alta.
 
Método de produção: A matéria-prima principal e única, na produção do Mel-de-Cana da Madeira, é a cana sacarina das variedades tradicionais: “Rajada”; “Viole-ta”, “Canica”; “Roxa” e “Amarela” ou “Branca”, produzidas na ilha da Madeira.
O seu modo tradicional de produção mantém-se genericamente constante, pelo menos, desde as primeiras décadas do século XIX. Os três Engenhos (unidades de transformação de cana sacarina) que atualmente se dedicam à sua produção, recorrem a tecnologias seculares e equipamentos, mais ou menos, modernos, que respeitam na integra as suas operações tradicionais de:
  • Depuração ou limpeza: por decantação e/ou por filtração, do sumo de cana, não fermentado, resultante do esmagamento dos colmos das variedades tradicionais de cana sacarina de produção local;
  • Clarificação térmica: feita sem a adição de qualquer produto químico, para aglutinação e remoção das impurezas presentes no sumo. As caraterísticas das “tachas” ou tanques clarificadores que são utilizados, determinam a duração      desta operação, que pode demorar entre 30 minutos e 3 horas e atingir uma temperatura entre os 60º C e os 80º C;
  • Depuração do “caldo de cana”: por decantação ou filtração para separação das “borras”, constituídas por eventuais materiais em suspensão que não tenham floculado ou que não tenham sido retiradas do sumo antes da sua      entrada  em ebulição; 
  • Evaporação do caldo de cana: através dum processo de cozedura, com elevação gradual da temperatura até ultrapassar o seu ponto de ebulição. O tipo de evaporadores utilizados, determina o período em que as altas                temperaturas (entre os 100 ºC e os 108 ºC) devem ser mantidas (por 10 a 13 horas, ou mesmo ultrapassar as 24 horas), para o apuramento e concentração dos seus constituintes, pela libertação de vapor de água e a                  caramelização  dos açúcares, até a obtenção de um xarope com as caraterísticas de densidade típica deste produto (38.º - 40º Bau-mé);
  • Estabilização do Mel-de-Cana da Madeira: que decorre nos tanques de armazenamento, onde arrefece e decanta, sendo conservado, até ser decidido o seu embalamento, quando é enviado para o “tanque de enchimento”;
  • Acondicionamento em embalagens: realizada manualmente, por torneiras que permitem o seu vazamento direto para os frascos de vidro, outras embalagens de material plástico, ou para outros recipientes apropriados, com        diferentes capacidades utilizados na sua comercialização pré-embalada ou a granel para as unidades da pastelaria regional que se dedicam à produção da doçaria conventual madeirense. 
Características particulares: O Mel-de-Cana da Madeira é um xarope rico em açúcares solúveis, muito estável e normalmente livre de cristalização, obtido seguindo o modo tradicional de produção desenvolvido nesta ilha, que não necessita da adição de qualquer regulador do pH ou promotor da inversão da sacarose, nem de qualquer edulcorante ou conservante, natural ou artificial.
Apresenta um pH levemente acido, elevados teores de cinza e um alto conteúdo em açúcares redutores, que são responsáveis pela sua estabilidade e pelas suas peculiares características sensoriais, em particular a sua cor intensa e escura e, sobretudo o seu aroma e sabor doce e caramelizado, com suave amargor e agradável acidez e com notas vegetais, frutadas ou metálicas e apontamentos a especiarias ou a torrefação.
Para além de ser consumido como tal para barrar o pão ou adoçar iguarias fritas típicas da Madeira (malassadas, sonhos e rabanadas) ou mesmo para enriquecer a culinária local, o Mel-de-cana da Madeira, corresponde ao ingrediente essencial da principal doçaria tradicional, ligada às festividades do Natal e Carnaval madeirenses e, juntamente com o Rum da Madeira IGP, representam aos herdeiros da importante indústria de transformação da cana sacarina que prosperou nesta ilha e que marcou a história, a cultura e a gastronomia da população madeirense.
 
Área de produção: Ilha da Madeira.
 
História: Desde o início do povoamento da ilha, o seu clima ameno, sua riqueza em água, sua cobertura vegetal luxuriante geradora de boas madeiras (que lhe deram nome) e a boa qualidade dos solos formados pelo desbravamento e limpeza dos leitos das ribeiras, rapidamente tornaram os primeiros colonos portugueses autossuficientes em cereais e noutras culturas introduzidas, pelo que, por volta de 1425, o Infante D. Henrique (Senhor das Ilhas) mandou trazer “estacas” de cana sacarina da Sicília para sua produção na ilha.
A instalação dos canaviais exigiu a criação de novos “solos agrícolas”, a partir de queimadas nas zonas altas e arborizadas da ilha e da construção generalizada de socalcos, localmente denominados de “poios”, que acompanham as curvas de nível e são suportados por muros de pedra basáltica emparelhada e a criação duma alargada rede de canais de rega (“levadas”) para transportar a água das ribeiras e nascentes e, mais tarde, também das terras altas e da encosta húmida a norte, para assegurar a irrigação dos canaviais, proporcionando à cana sacarina as condições edafoclimáticas ideais para sua adaptação e desenvolvimento.
A disponibilidade de cursos de água, de madeiras e de gado para movimentação de cargas e dos engenhos, facilitou também o aperfeiçoamento das rudimentares técnicas de moenda das canas e dos processos de cristalização na produção do açúcar que, na Idade Média, era um “produto de luxo”, muito valorizado e de consumo reservado às cortes e às classes mais abastadas. Em poucas décadas, os mestres açucareiros e os mercadores madeirenses monopolizaram o fornecimento de açúcar ao Reino e às principais cortes europeias, gerando uma relevante atividade comercial que, até o fim do século XVI, potenciou o primeiro ciclo económico de desenvolvimento da ilha.
Registos históricos demonstram que a produção de xaropes de cana sacarina, denominados de «Mel», sempre acompanharam a produção do afamado “açúcar”. Inicialmente correspondia ao xarope que escorria das formas do açúcar (“pães de açúcar”) nas sucessivas purgas do seu processo de cristalização. Este produto foi muito procurado, na primeira metade do século XVI, pelas embarcações que escalavam o porto do Funchal, como é relatado no Memorial de Cristóvão Colombo aos Reis Católicos, de janeiro de 1494, que recomendava o embarque de 50 pipas de «Mel» de açúcar da Madeira para uso das suas tripulações.
Nesta época, também alguns proprietários de canaviais, promoviam a produção caseira de «Mel», mas neste caso obtido a partir da cozedura do sumo integral de canas da sua safra, que reservavam para consumo familiar e para a produção de conservas de frutos, especialmente em alguns conventos locais, onde este «Mel» era também utilizado nas receitas de bolos e doces variados que, nas efemérides religiosas (Advento, Natal e Entrudo), eram produzidos para consumo interno, para oferenda aos benfeitores e mesmo para exportação.
Mesmo durante o declínio desta cultura na ilha (entre os séculos XVII e XIX), a produção caseira de «Mel» manteve-se ativa, assegurando a manutenção de pequenos canaviais pela ilha e preservando a rica doçaria conventual madeirense.
A partir do século XIX, com a reintrodução na ilha de novas formas cultivadas de cana sacarina, a produção de «Mel» passou a ser realizada, a nível industrial, em simultâneo, embora em menor escala, com a produção dos demais derivados da cana que sucessivamente foram sendo obtidos na ilha: o açúcar, o álcool (para enriquecimento do Vinho Madeira) e, mais recentemente, o Rum da Madeira, bebida espirituosa registada como Indicação Geográfica Protegida.
Todos os registos que referem e descrevem este xarope de cana sacarina o denominam de «Mel» ou «Mel da Madeira», designações que se mantiveram em uso na ilha e em Portugal por quase seis séculos até que, no fim do século XX, por disposição da legislação europeia, a designação «Mel» que também significa «Mel das Abelhas» passou a estar exclusivamente reservada à substância natural açucarada produzida pelas abelhas da espécie Apis melífera, pelo que os produtores madeirenses tiveram de adotar a denominação Mel-de-cana da Madeira, para designar este produto de grande interesse económico local e elevado significado para a identidade e memória coletiva madeirenses.
 
 
 
 
Publicação no jornal oficial da UE
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Publicação em DR
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