Batata-Doce da Madeira
Descrição: Designa-se por Batata-Doce da Madeira a raiz tuberosa de plantas da espécie Ipomoea batatas (L.) Noir, das variedades tradicionais obtidas nas ilhas habitadas do Arquipélago da Madeira, nomeadamente das variedades: “Brasileira”; “5 Bicos”; “Cenoura regional”; “Inglesa”; “Cabeiras”; “Amarelinha” e “Cabreira Branca do Porto Santo”, entre outras formas cultivadas de variedades cordifolia e digitata produzidas segundo as práticas tradicionais das ilhas da Madeira e do Porto Santo.
As raízes tuberosas das diferentes variedades tradicionais de Batata-Doce da Madeira, apresentam características morfológicas próprias (incluindo o formato e a coloração da sua pele e polpa) que as distinguem e permitem a sua fácil identificação no mercado, sendo-lhes atribuída valorização comercial diferente, em função da duração do seu ciclo produtivo e, sobretudo, das propriedade nutricionais e organoléticas que lhes são reconhecidas pelos consumidores locais.

Em termos gerais, as raízes tuberosas das variedades tradicionais de Batata-Doce da Madeira são bastante húmidas e apresentam teores elevados de proteína (em média superior a 4 % em peso/peso no estrato seco) e também de cinza (superior 3 %) o que é revelador da sua riqueza em sais minerais, cuja composição é determinada pelas características edafoclimáticas próprias das diferentes localidades das ilhas da Madeira e do Porto Santo onde são produzidas e das práticas culturais tradicionais implementadas na sua produção.
Possui caraterísticas organoléticas próprias entre as que se destacam, quando crua, o aroma típico de tubérculo, com notas terrosas, vegetais ou herbáceas e uma clara referência à farinha da castanha ou a casca de noz verde. O seu sabor doce e farináceo, intensifica-se com a mastigação e apresenta notas a polpa de castanha sendo que nas produzidas na ilha do Porto Santo nota-se também um gosto ligeiramente salgado, pouco acido e mineral. Apresenta sempre uma textura húmida, tenra e macia ou crocante e mais ou menos fibrosa o que, nalgumas variedades lhes confere aptidão tecnológica para a produção de farinhas.
Quando cozida ou assada, a coloração da polpa evolui de tons amarelados a esverdeados ou de dourados a alaranjas e os aromas intensificam-se, ficando mais complexos e adocicados, com leves toques herbáceos, metálicos (ferrosos) ou terrosos, quando cozida, e com notas a castanha, caramelo ou lenha queimada, quando assada. A intensidade dos sabores é também reforçada, ficando mais ou menos doce ao ataque e com final de boca curto, ou mesmo ligeiramente salgada e menos acida nas produzidas no Porto Santo, sendo sempre suculenta e com notas a frutos secos e castanha, quando cozida, ou com alusões a caramelo, quando assada. A textura é normalmente macia, amanteigada e de fácil mastigação, sendo ligeiramente fibrosa e podendo apresentar fiapos quando assada
 
Método de produção: Nas ilhas da Madeira e do Porto Santo as variedades tradicionais de Batata-Doce da Madeira são normalmente propagadas a partir de “estacas” recolhidas em plantas adultas ou em “socas” produtoras de material de propagação, instaladas em outras parcelas da exploração ou provenientes de outras explorações agrícolas locais ou regionais. Podem também ser adquiridas nos serviços oficiais competentes ou em fornecedores regionais autorizados.
As variedades tradicionais da Batata-Doce da Madeira podem apresentar um ciclo vegetativo longo (de mais de 10 meses) ou médio (de 6 a 8 meses). Na ilha da Porto Santo são principalmente produzidas as de ciclo médio, principalmente a variedade nativa da ilha, designadamente a “Cabreira Branca do Porto Santo”.
Consoante a variedade tradicional e a localidade de produção em causa, a plantação é realizada entre maio e junho ou entre setembro e outubro.
Na ilha da Madeira, antes da plantação da Batata-Doce da Madeira é realizada uma cava pouco profunda, normalmente realizada “à mão” com a ajuda de uma enxada, para garantir as condições de drenagem e arejamento do solo e facilitar a armação do terreno com a “abertura dos regos” e a incorporação de “mato seco” de feiteira (Pteridium aquilinum (L.) Kuhn) ou giesta (Cytisus scoparius (L.)), que tradicionalmente os agricultores colhiam nas zonas altas da Ilha, ou de palhas de cereais, cana sacarina ou doutra vegetação e à qual, sempre que disponível, é incorporada matéria orgânica compostada a partir de estrume de vaca, cabra ou galinha e proveniente da exploração ou de explorações vizinhas. Quando não estão disponíveis matos ou matéria orgânica compostada, são utilizados fertilizantes químicos adaptados às condições do solo, sendo que nos Andossolos a calagem é também uma prática frequente.
Na ilha do Porto Santo toda a produção agrícola e em particular da Batata-Doce da Madeira é fortemente afetada pela quase total inexistência de matéria orgânica local para incorporação ao solo e pela menor disponibilidade de água de rega. Assim, normalmente a adubação de fundo é realizada com incorporação de corretivos orgânicos e fertilizantes químicos adaptados às condições de alcalinidade e permeabilidade dos seus solos do tipo arenoso a limoso principalmente de origem biológica e por isso ricos em cálcio, magnésio e algum potássio, que lhes conferem um pH mais favorável à maioria das culturas agrícolas.
O tipo e frequência da rega é ajustada às necessidades hídricas da planta e às condições climatéricas locais, pelo que na ilha da Madeira é maioritariamente realizada por alagamento a partir da rede de canais de rega que abastecem as explorações agrícolas e localmente denominadas de “levadas”, enquanto que na ilha do Porto Santo é mais comum o recuso à rega localizada de gota-a-gota. A rega é sempre realizada com o cuidado de não provocar o encharcamento do solo e sendo mais espaçadas no período pré-colheita, para permitir que a raiz tuberosa "atempe", evitando alterações das suas características organoléticas e capacidade de conservação.
A colheita é realizada manualmente com o auxílio da enxada e, consoante a variedade e ou o local de produção, pode decorre em setembro ou a partir de dezembro. Após a colheita, as “batatas” podem ficar a secar, mesmo na parcela, sendo depois preparadas e acondicionadas em sacos ou caixas para vendas de proximidade pelo agricultor ou entrega direta a clientes retalhistas ou da restauração, ou então são recolhidas e transportadas até o armazém da exploração para serem armazenadas em local seco e fresco ou são enviadas aos centros de acondicionamento regionais, para conservação ou para classificação, calibragem e acondicionamento para comercialização no mercado regional ou para expedição para mercados externos.
 
Características particulares: O carácter específico da Batata-Doce da Madeira decorre da utilização de material de propagação das variedades tradicionais exclusivamente obtidas localmente e que estão adaptadas às condições agroclimáticas e às características intrínsecas dos solos agricultados das ilhas da Madeira e do Porto Santo, cujas raízes tuberosas apresentam características físico-químicas e organoléticas próprias, que lhes conferem propriedades nutricionais favoráveis e aptidão para diferentes usos culinários e tecnológicos e que resultam das condições genéticas próprias dos espécimes de origem diversificada, que se adaptaram às condições edafoclimáticas locais e às práticas culturais tradicionais desde sempre implementadas na sua produção pelos agricultores madeirenses e que foram preservadas ao longo de gerações.
 
Área de produção: Todas as fases de produção, desde a obtenção do material vegetativo ao cultivo e colheita das raízes tuberosas ocorrem na área geográfica identificada que está circunscrita às ilhas da Madeira e do Porto Santo, no Arquipélago da Madeira.
 
História: Embora os registos históricos indiquem que a cultura da batata-doce foi introduzida no arquipélago da Madeira no século XVII, vários pesquisadores acreditam que a sua produção nas ilhas da Madeira e Porto Santo, deve ter começado ainda durante o século XVI. As variedades tradicionais de «Batata-Doce da Madeira», são resultantes de variedades “digitata” introduzidas nas ilhas a partir do Brasil, em meados do século XVI e de variedades “cordifólia” provenientes de Demerara, durante o século XIX e de outras que, na primeira metade do século XX, foram trazidas dos destinos de emigração da população madeirense e que, através de práticas constantes de produção, seleção e partilha do material de propagação, implementadas pelos agricultores madeirenses, deram origem a uma grande diversidade de formas cultivadas que se mantêm em produção nas diferentes localidades das ilhas da Madeira e do Porto Santo.
As ilhas da Madeira e do Porto Santo, localizadas na região subtropical do Atlântico Norte, apresentam características fisiográficas muito próprias e distintas. A ilha da Madeira carateriza-se por uma morfologia irregular, com uma cordilheira central de orientação este-oeste, perpendicular aos ventos predominantes de nordeste (Alísios) e formada por maciços montanhosos de altitudes elevadas (superiores a 1200 metros) e de relevo acidentado e declives acentuados, que determinam uma vertente sul soalheira e protegida e uma vertente norte húmida e de insolação reduzida.
A ilha do Porto Santo (localizada a 40 km a nordeste da Madeira) apresenta uma morfologia bastante aplanada e suave, com mais de 85 % da ilha abaixo de 200 metros de altitude e atingindo a sua cota máxima (517 m no Pico do Facho) na zona mais montanhosa a nordeste, sendo que entre esta e a zona menos acidentada a sudoeste, o relevo é suave, com altitudes inferiores aos 150 m, decrescendo da costa norte à costa sul, formando uma ampla baía constituída por uma praia de areia fina e um campo dunar associado com cerca de 9 km de extensão.
O clima das ilhas é predominantemente temperado, com temperaturas amenas durante todo o ano e reduzida amplitude térmica, pelo efeito moderador do mar sobre o limitado ambiente insular e com boa exposição (mais de 2.200 horas anuais de sol a descoberto), condições que permitem a obtenção de bons rendimentos na produção de «Batata-Doce da Madeira», que é cultivada desde o litoral até acima dos 700 metros de altitude na vertente sul e quase até os 500 metros nalgumas localidades da vertente norte da ilha da Madeira e em toda a área agricultada da ilha do Porto Santo, onde encontra os valores médios anuais da temperatura (entre os 20 ºC e os 30 ºC) e de humidade do ar considerados ótimos para o desenvolvimento desta cultura, incluindo as temperaturas noturnas superiores a 15 ºC que, em grande parte do ano, promovem o crescimento das raízes de reserva e a sua complexa composição em carboidratos.
Os valores de precipitação média anual na ilha da Madeira são próximos dos 750 a 1.000 mm, pelo que o recurso à rega apenas é necessário nos patamares bioclimáticos mais baixos e a disponibilidade de água durante todo o ciclo produtivo promove o elevado teor de humidade da polpa que, quando crua, lhe confere a suculência característica, sem comprometer a sua crocância.
Na ilha do Porto Santo o clima é muito mais seco, com uma precipitação anual inferior a 400 mm e uma evapotranspiração potencial anual da ordem de 1500 mm. Contudo, desde que garantidas as necessidades hídricas e nutricionais da cultura é possível obter boas produções de «Batata-Doce da Madeira», principalmente da variedade tradicional local que é a mais adaptadas as condições edafoclimáticas particulares desta ilha.
Os solos dominantes na ilha da Madeira (de material originário maioritariamente basáltico) foram fortemente influenciados pela constituição artificiosa dos terrenos agrícolas, a partir da construção generalizada dos “poios” ou socalcos suportados por muros de pedra emparelhada e também pela constante realização de surribas e a intensa fertilização orgânica realizada ao longo de gerações pelos agricultores locais.
Assim, são principalmente solos do tipo Faeozemes (PHh), Cambissolos saturados (principalmente crómicos - CMx) e Cambissolos insaturados (maioritariamente dístricos - CMd) e também Andossolos (ANu) de zonas mais altas, que em termos gerais, caracterizam-se por apresentar profundidade média a elevada, com perfis de espessura entre 30 e 50 cm ou superior a 50 cm; de textura geralmente fina e elevada percentagem de limo; com teores de matéria orgânica médio nos PHh a muito alto e superior a 7% nos ANu; com grau de saturação por bases elevado a médio nos PHh e CMx, sendo inferior a 50% nos CMd e ANu, com pH ligeiramente ácido à neutro nos PHh e nos CMx ou apresentando pH ácido nos CMd e ANu. São solos pobres em fósforo, medianamente ricos em potássio e bastante ricos em magnésio e por vezes também em cálcio.
Na ilha do Porto Santo a classe mais significativa dos solos agricultados é a dos Calsissolos, apresentando textura variável (de arenosa a limoso) e, com frequência, de fase sódica, com teor reduzido a médio de matéria orgânica à superfície e elevado grau de saturação em bases. Contudo, a origem biológica da maioria das areias e dos arenitos da ilha determinam que sejam solos ricos em cálcio e potássio e lhes confere um pH (geralmente entre 7 e 9) favorável à maioria das culturas agrícolas.
Nos solos da ilha da Madeira a natural pobreza em fósforo e as necessidades de azoto da cultura, são compensadas principalmente pela adubação de fundo realizada com a incorporação de “mato seco” e matéria orgânica compostada a partir de estrume de vaca, cabra ou galinha, que promove o arejamento, a desagregação do solo e a lenta libertação dos nutrientes, facilitando o desenvolvimento da rama e a formação das raízes tuberosas da Batata-Doce da Madeira.
Na ilha do Porto Santo a grande dificuldade na obtenção de matéria orgânica local determina que a adubação de fundo seja realizada com corretivos orgânicos e fertilizantes químicos adaptados às condições de alcalinidade e permeabilidade dos seus solos. A prática generalizada da realização da adubação de fundo, juntamente com os elementos que são incorporados diretamente pelas condições intrínsecas dos diferentes solos das ilhas, favorecem o armazenamento dos elevados teores de proteína, de cinza e de sais minerais que caracterizam a «Batata-Doce da Madeira».
A introdução da cultura a partir de diferentes proveniências geográficas e a sua perfeita adaptação às diferentes condições agroecológicas das ilhas e às práticas culturais implementadas pelos agricultores madeirenses, conduziu ao desenvolvimento e à preservação de uma grande diversidade de formas cultivadas que pertencem à reserva genética “batata”, correspondente à 3.ª reserva genética mundial desta espécie, com origem no continente sul-americano e cujas formas culturais identificadas estão conservadas “ex situ” no Banco de Germoplasma da Madeira (ISOPlexis/ Germobanco).
A assinalável produtividade e a fácil conservação desta cultura determinaram que, logo após a sua introdução ela tenha assumido grande importância na segurança e qualidade da alimentação dos camponeses, chegando mais tarde também à mesa das classes mais abastadas e das populações urbanas, como está amplamente documentado em relatos de vários forasteiros que visitaram ou habitaram as ilhas ao longo dos séculos XVIII a XIX e que referem que o cultivo da Batata-Doce da Madeira tinha longa tradição sendo utilizada em rotação com outras culturas tradicionais e que desempenhava um papel fundamental para a população rural, não só como base da sua alimentação, mas também como moeda de troca na obtenção de pescado junto das comunidades piscatórias.
As variedades tradicionais correspondem às formas cultivadas, cujo material de propagação mantém-se na posse das comunidades locais e vem sendo selecionado, reproduzido e mantido pelos agricultores que desde sempre, têm partilhado e propagado pelas ilhas o material vegetativo das variedades que melhor se adaptaram às condições agroecológicas locais, e que por isso apresentavam os melhores rendimentos e as propriedades organoléticas mais apreciadas para a sua utilização na alimentação, na panificação e na pastelaria tradicional madeirense e, mais recentemente, também na indústria de transformação de produção de farinhas.
As características particulares da Batata-Doce da Madeira são reconhecidas tanto pelos consumidores locais como pelos turistas que anualmente visitam as ilhas e que se revelam grandes apreciadores desta raiz doce e saborosa que, cozida ou assada, é o complemento ideal da rica gastronomia regional e em particular do tradicional “cozido à madeirense”, para além de ser ingrediente fundamental na confeção de vários tipos do pão tradicional e doutras especialidades da doçaria regional, entre as que se destacam a “batata-doce-caramelizada”, o “bolo frito”, a “batatada”, as “fartes” e as “malassadas”.
A Batata-Doce da Madeira está também ligada a várias tradições populares madeirenses, pelo que ocupa lugar de destaque nas tradicionais “Charolas”, constituídas por estruturas esféricas onde são atados os produtos cultivados pelos agricultores locais e que, principalmente nas celebrações religiosas relacionadas com os Santos Populares e o Espírito Santo e noutros eventos etnográficos ou “Festas” de promoção e celebração dos produtos agroalimentares tradicionais, simbolizam o “agradecimento solene dos agricultores pela fertilidade das suas terras e pelas bênçãos alcançadas ao longo do ano” e que depois, no fim do evento, são leiloadas ou partilhadas para ajudar a população mais carenciada da zona.
 
 
 
 
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